Autor de mais de 40 livros, o premiado Daniel Munduruku
diz que educadores tendem a repetir estereótipos Daniel Munduruku cresceu nos anos 1960 na aldeia Katô,
interior do Pará, a 300 quilômetros de Belém. Criado entre outros índios
munduruku, teve um choque quando começou a frequentar uma escola primária na
capital paraense, onde era chamado pelos colegas de “selvagem” e “sujo”. Foi
sua primeira lição sobre o tratamento reservado aos índios no Brasil, conta ele.
— Eu quis deixar de ser índio. Mas meu avô me resgatou, contando histórias
sobre nossas tradições — lembra Munduruku, que a partir desse episódio escreveu
o livro “Meu vô Apolinário”, uma das mais de 40 obras que publicou.
Hoje, aos 49 anos, é ele que ocupa o lugar de contador de histórias. Ganhador
de um Jabuti e do prêmio Tolerância, concedido pela Unesco, entre outras
distinções, Munduruku levou algumas dessas narrativas nesta terça-feira para a
Bienal do Livro, onde participou da mesa “Guarani, Kaiowá e muitas mais —
Literatura de índio”, com Graça Graúna e Lucia Sá, no Café Literário.Munduruku costuma apresentar essas narrativas também em
palestras e cursos para educadores em todo o país, para combater o que vê como
“uma grande lacuna” no sistema de ensino brasileiro. Embora a lei 11.645,
aprovada em 2008, determine que as escolas devem incluir a cultura indígena no
currículo, o escritor nota que os professores não recebem a formação adequada
para isso.
— O professor tende a repetir os estereótipos: comemora o Dia do Índio, mostra
pintura corporal, oca e arco-e-flecha. Isso acaba perpetuando uma visão
preconceituosa dos povos indígenas como atrasados. A folclorização das
tradições indígenas joga por terra uma parte importante e dinâmica da cultura
brasileira — diz Munduruku, que estuda narrativas indígenas em um pós-doutorado
na Universidade Federal de São Carlos (SP).
Em seus livros, o escritor procura mostrar que “as narrativas tradicionais
estão vivas, não são coisa do passado” e que “o índio é um contemporâneo”.
Considera que a literatura pode ajudar a mudar a percepção que se tem do índio
no país. Mas avalia que a sociedade brasileira “ainda não acordou” para a
dimensão dos problemas vividos hoje pelos povos indígenas em território
nacional.
Cita como exemplo o dilema enfrentado pelos índios de sua terra natal. Em maio,
os mundurukus participaram da ocupação do principal canteiro de obras da usina
hidrelétrica de Belo Monte, ao lado de índios Xipaya, Kayapó, Arara e
Tupinambá. Eles protestavam contra a falta de diálogo com o governo e
procuravam alertar a sociedade para o impacto da construção sobre o Rio Xingu e
a falta de consulta prévia aos povos indígenas sobre a usina.Para Munduruku, a ocupação de Belo Monte foi uma
manifestação tão ou mais importante do que as ocorridas nas grandes cidades
brasileiras a partir de junho, porque nela os índios colocaram em discussão as
alternativas de futuro para o país.
— A ocupação em Belo Monte demonstrou consciência sobre o que está em jogo no
Brasil hoje. Não se tratava só daquela usina, existem projetos parecidos para
outras regiões. O alerta que os índios enviaram para o resto do país é que as
coisas podem piorar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário